A escada de Jacob
Por Baptista-Bastos
O ANO QUE FECHA PORTAS foi muito mau. Graves economistas declaram a pés juntos que o próximo será pior. Os adventistas de Sócrates pregam que vivemos no melhor dos mundos. E a maioria de nós esforça-se por amarinhar pela escada de Jacob, na melancólica fé de que chegará lá acima - local incerto e abstracto. O varar do tempo amarrota toda a gente; mas há gente muito mais amarrotada do que outra. E o pior é a alma que se dissolve, a esperança agredida, o sonho desfeito. A televisão formou a ideia de que tudo o que é importante é imediato. Num roldão, deixámos de nos reconhecer e, numa bizarra mistura de serenidade e de impaciência, aceitamos as imposições de uma casta difícil de definir - a não ser por uma notória mediocridade.
"O triste povo, de rosto taciturno e alma acabrunhada", designado por Unamuno, desfez a fatalidade predominante, quando se insurgiu contra o opressor. Veio para a rua e ergueu 1383, 1640, 1820, 1910, 1974. O festim durou pouco. A liberdade não tem consequências simples. Exige respostas práticas e decisões amplas. E assistiu-se à desintegração da coesão social, em nome de uma Europa, cujos propagandistas proclamavam o contrário. Um pouco por todo o lado, a democracia é seriamente abalada. Em Portugal, já apenas se manifestam resquícios dela. O que se sobreleva são o medo, a precariedade no trabalho, o desemprego, e a imposição de que o nexo entre o social e o político pertence a dois blocos de interesses: ao PS e ao PSD. Desvalorizada a ideia de bem comum, exacerbou-se os interesses particulares e inculcou-se sorrateiramente o pensamento de que nada há a fazer. Claro que há! "Mostra-me o teu talento; não me mostres o cartão do partido", disse Brecht, a um actor que lhe apareceu no Berliner Ensemble, resguardado com o facto de ser militante comunista. E correu com o apadrinhado. A lição não perdura. Estabelecida a vocação da "cunha" partidária, o instinto de independência moral provoca indiferença e, até, hostilidade. A inteligência, o mérito, a integridade e a habilitação são castigados como delitos. O que se observa, nos tristes casos da BCP e da Caixa Geral de Depósitos, com a disputa da pertença circunscrita aos assim chamados "partidos de poder", reflecte o mais atroz impudor. As exclusões permitem-nos concluir que o PS e o PSD perderam o respeito pelos portugueses e a dimensão colectiva que se lhes exige. Aliás, o projecto inscrito na exigência de um mínimo de cinco mil militantes por partido e a revelação dos seus nomes é desprezível, por equivaler a uma estratégia de poder absoluto do "centrão". É preciso conciliar os vínculos morais com os traços distintivos das nossas indignações.
27 dezembro 2007
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